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Ao Deus desconhecido

Publicado em: 21/08/2017 por CBN-SP

Ao Deus desconhecido

Em tudo vos vejo acentuadamente religiosos; porque, passando e observando os objetos de vosso culto, encontrei também um altar no qual está inscrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Pois esse que adorais sem conhecer é precisamente aquele que eu vos anuncio” (Atos 17:23)

 

O texto acima relata fatos acontecidos na vida de Paulo. Muitos o chamam de São Paulo ou de Apóstolo Paulo; com todo respeito à santidade e ao título apostólico, vou chamá-lo simplesmente de Paulo, pois pretendo aqui, destacar o ser humano, o homem de fé que no seu tempo levou a mensagem cristã a todo o Império Romano, ou seja, ao mundo Greco-romano, onde imperava o pensamento helenístico.

 

O homem chamado Paulo

Tendo como base o que está registrado na Bíblia, a primeira menção ao nome de Paulo, está no capítulo 7, verso 58 do livro de Atos dos Apóstolos, quando as vestes de Estêvão, após ser apedrejado, são lançadas aos pés de um jovem chamado Saulo. Este era o nome de Paulo, antes de sua conversão, sendo ele um hebreu descendente da tribo de Benjamim, seus pais lhe deram o nome do homem mais importante desta tribo, o rei Saul, Saulo é a versão latina de Saul (Saulus em latim, Saulo em português). Paulo volta a ser mencionado no capítulo 9 de Atos, que trata de sua conversão e, a partir do capítulo 13 deste livro, Saulo passa a se chamar Paulo (que significa o menor) e torna-se o centro de toda a narrativa até ao capítulo 28 quando termina o livro.

A importância de Paulo é tão grande que dos 27 livros do Novo testamento, em 14 ele está presente ou como autor, no caso das 13 cartas paulinas, ou como personagem no livro de Atos.

Nestes livros, principalmente nas cartas, Passamos a conhecer a Paulo, sua história, seu zelo, suas doutrinas, seus sentimentos, sua fé e seus amigos e companheiros na jornada da vida, ele chega a citar 40 nomes de pessoas anônimas.

Paulo foi instruído aos pés de Gamaliel, renomado mestre judaico de Jerusalém, pertenceu à facção religiosa dos Fariseus, que no seu tempo era quem cumpria mais à risca a lei de Moisés, e o modo de culto do Antigo Testamento. Porém Paulo não era rabino, chegou a ser membro do Sinédrio, importante cargo entre os judeus e se tornou o maior perseguidor da “seita dos nazarenos”, como eram conhecidos os seguidores de Jesus.

Após participar de forma passiva do apedrejamento de Estêvão, Paulo recebe autorização das autoridades para pôr fim a esta seita. Parte para Damasco, capital da Síria onde haviam se refugiado alguns cristãos, entre eles Ananias. Paulo tem uma visão de Jesus no caminho de Damasco e uma imediata conversão, Chegando à Síria é batizado por Ananias e de perseguidor passa a ser perseguido. É levado para Cesareia e em seguida para Tarso, sua cidade natal, onde fica até ser chamado por Barnabé que o leva à Antioquia.

A igreja que estava em Antioquia, era um lugar de profetas e mestres, torna-se um centro missionário, a partir do qual Paulo é enviado em sua primeira viagem missionária. Ao todo serão três viagens missionárias.

 

A Grécia

Neste texto quero me fixar na segunda viagem missionária de Paulo, já sem a companhia de Barnabé. Esta segunda viagem mudará o curso da história. Na primeira viagem o roteiro se resume  a uma pequena parte do Mediterrâneo e às províncias romanas da Ásia menor. Contudo na segunda viagem, Paulo tem uma visão em Trôade, onde um varão macedônico lhe diz: “passa à macedônia e ajuda-nos”. Este evento dá origem à entrada do evangelho na Europa, começando por Samotrácia, Neápolis, Filipos, Tessalônica e Bereia, cidades da Macedônia, em seguida, Paulo chega à Grécia.

Na Grécia, Paulo visitará Atenas, Corinto, Acaia e Concréia. Contudo o objetivo deste escrito será os acontecimentos de Atenas, capital da Grécia, berço da civilização ocidental, e do nosso modo de pensar.

Paulo viveu no primeiro século da era cristã, o Império Romano estava no seu apogeu, seus domínios iam do Oceano Atlântico até ao Rio Eufrates, de Londres ao Norte da África. A Grécia Clássica de Sócrates, Platão e Aristóteles, da democracia de Péricles, não existia mais, depois da morte de Alexandre o conquistador macedônico e do esfacelamento de seu império, os Romanos assumiram o controle de tudo, mas incorporaram a cultura grega, mesclada a cultura dos outros povos, a esse caldeirão cultural, dá-se o nome de helenismo, com certa prevalência ao modo de pensar dos gregos, que em Atenas, não faziam outra coisa a não ser lembrar dos seus grandes pensadores e dos seus deuses. Os romanos não tinham dificuldade em assumir alguns destes deuses gregos, desde que mudassem seus nomes para nomes romanos e os incorporavam à sua mitologia.

O modo de vida romano era muito próprio, afinal eram conquistadores, contudo assumiram correntes do pensamento filosófico grego, com um grande destaque para o estoicismo (corrente filosófica que será explicada mais à frente). É neste cenário que Paulo se insere na sua rápida e importante passagem por Atenas. Paulo além de pregar nas sinagogas, vai à Ágora (praça principal de Atenas) onde é ouvido por filósofos epicureus e estoicos, que o convidam ao Areópago, lugar onde outrora se reunia o supremo tribunal de Atenas. Ali, Paulo faz o seu discurso para os filósofos gregos, fala do Deus desconhecido e, fiel à sua prática de se fazer tolo para como os tolos e de sábio para com os sábios, Paulo completa seu discurso fazendo menção à ressurreição dos mortos. O assunto da ressurreição não era bem resolvido nem entre os judeus, os saduceus, por exemplo, não acreditavam na ressurreição.

O aparente fracasso de Paulo em Atenas, merece algumas considerações. Primeiro a menção ao “Deus desconhecido”, conta a lenda que o poeta Epimênides (600 a. C.), acreditava em apenas um Deus e, segundo conta Diógenes Laertius, quando houve a praga em Atenas fizeram-se muitos holocaustos para “apaziguar a fúria dos deuses”, que passavam de 30.000, foi quando lembraram o Deus único de Epimênides e o chamaram. Epimênides mostrou-lhes o erro de adorarem deuses que não poderiam os ajudar em nada e mandou que colocassem ovelhas no alto do Areópago que estas iriam lhes mostrar o local onde esse Deus queria ser adorado. Então, num ato “místico” as ovelhas desceram o Areópago e andaram até um local onde não havia nenhum tipo imagem. Ali os artífices construíram um altar e como não sabiam o “nome” desse Deus, a mando de Epimênides talharam como “o Deus desconhecido” (como descrito em Atos 17:23), e assim conseguiram resolver o problema da praga. Outro dado interessante é que Paulo cita os poetas gregos: “…Pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos”, citação da obra “Cretica”, do poeta Epimênides, “…Porque dele também somos geração…”, citação das obras de Cleanto e de Arato, no Hino a Zeus.

Outro ponto a observar, quando falamos do helenismo, no senso comum diz-se que predominava o pensamento hedonista, doutrina centrada na ideia de prazer. Epicureus e estoicos, não eram bem assim.

 

Filósofos epicureus

Os epicureus ou epicuristas faziam parte de uma corrente filosófica fundada por Epicuro (341-271 a. C.), defendiam que o prazer era o princípio e o fim de uma vida feliz. Epicuro tinha uma visão sensualista (baseada nas sensações) e dizia que todos os seres humanos buscam o prazer e fogem da dor, e que para sermos felizes devemos dominar os prazeres exagerados como os apegos, à cobiça, à inveja e, buscar um estado de ataraxia, serenidade, ausência de dor no corpo e imperturbabilidade da alma. Dizia também que uma das principais causas de angústia e infelicidade são as preocupações religiosas e as superstições, ou seja, os gregos temiam muito ofender aos deuses e serem punidos por isso, além de que as forças “divinas” podiam interferir em suas vidas mudando a sorte. Para Epicuro todo esse sofrimento poderia ser evitado se todos compreendessem que o universo é constituído de matéria, inclusive a alma humana, para ele o maior medo dos seres humanos era o medo da morte, para ser feliz, cada pessoa precisavam buscar uma qualidade de vida. Epicuro faz uma classificação dos desejos, em três tipos:

Naturais e necessários – desejos de comer, beber e dormir.

Naturais e desnecessários – desejos de comer alimentos refinados, tomar bebidas especiais e caras, dormir em lençóis luxuosos e etc…

Não naturais e não necessários – como os desejos de fama, riqueza e poder.

A filosofia dos epicureus era contentar-se com pouco e ser feliz, um grande prazer da vida pode advir de um simples copo de água.

Em suma os epicureus sabiam viver com qualidade, coisa que se busca muito nos dias atuais, o que eles não conheciam era a pessoa de Jesus Cristo.

 

Filósofos estoicos

Os estoicos. O estoicismo fundada por Zenão de Cício (336-263 a. C.), foi a corrente filosófica de maior influência no período helenístico. Para o estoico, é feliz aquele que vive de acordo com a ordem cósmica, aceitando e amando o próprio destino. Na sua cosmologia, o estoico concebe o universo como kósmos, “universo ordenado e harmonioso”, composto de matéria e de um princípio racional (inteligência) chamado de logos, que permeia e conecta todas as suas partes. Esse princípio, os estoicos chamavam de providência, equivalente ao que podemos chamar de Deus, só que o deus estoico é imanente, (o que está em todas as coisas), diferente do Deus cristão, que é transcendente, (está separado do mundo e não se confunde com ele).

Para o estoico tudo o que acontece tem uma razão de ser, está dentro da ordem cósmica, assim tudo está predeterminado, inclusive a vida de cada pessoa, a isto eles chamam de destino. Para cumprir bem o seu destino, o estoico propunha, no lugar do prazer, o dever.

Cumprir o seu dever, ter sempre uma atitude de austeridade física e moral, baseada em virtudes como a resistência ante o sofrimento, a coragem ante o perigo, a indiferença ante as riquezas materiais. Com base neste raciocínio, os estoicos procuravam orientar sua conduta estabelecendo distinção entre as coisas:

Coisas boas – são aquelas que dependem de nós e as devemos buscar durante a vida, virtudes como a prudência, a coragem e a justiça.

Coisas más – dependem de nós, mas as devemos evitar, tais como os vícios, as paixões, a injustiça, a covardia, a raiva etc..

Coisas indiferentes – não dependem de nós, mas devemos nos preocupar, é o caso da morte, do poder, da saúde e da doença, da riqueza ou da pobreza, entre outras.

Os estoicos procuravam, não produzir juízos errôneos ou opiniões equivocadas. Não é à toa que o estoicismo foi o pensamento mais difundido entre os romanos.

 

As lições de Atenas

Voltando a Paulo, em Atenas ele foi chamado de paroleiro (tagarela) e pregador de estranhos deuses, quando falou da ressurreição, os gregos disseram educadamente: te ouviremos em outra ocasião. Assim o saldo foi pequeno, mas importante, pois creram em sua pregação Dionísio Areopagita e uma mulher chamada Dâmaris e outros. Porém o primeiro fato importante é que, daí por diante Paulo, em sua pregação, rejeitará os ornamentos da sabedoria grega. E isso foi um aprendizado e tanto.

O Deus desconhecido foi pregado em Atenas e dali para todo o mundo grego. Porém a grande lição é que o evangelho, não é uma filosofia que “melhora” a vida das pessoas, ou que lhes traga uma qualidade de vida terrena, compatível com as melhores filosofias produzidas pelo pensamento humano. Jesus disse: “o meu reino não é deste mundo”.

O pensamento humano sempre produzirá filosofias visando à qualidade de vida neste mundo. Contudo o evangelho é “loucura para o mundo”, pois apresenta uma doutrina que vai além desta vida, Jesus disse: “quem crê em mim tem a vida eterna”, A mensagem cristã é muito mais do que prosperidade econômica ou melhoria do status social, embora seja também uma mensagem abençoadora, mas o cerne da mensagem é a salvação eterna.

Paulo, ao sair dali, mudou todo o seu modo de pregar, se fortaleceu, tirando forças do fracasso, viveu com mais intensidade os paradoxos do evangelho, que ele explicita em 2 Corintios capítulo seis “…quando pensam que morremos, eis que vivemos, como castigados, porém não mortos. Entristecidos, mas sempre alegres, pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo”. E acima de tudo, a lição de Atenas, fica bem clara quando Paulo escreve sua primeira carta aos corintios, (Corinto foi a cidade grega visitada por Paulo, logo que deixou Atenas), ele diz: “Eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria. Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado… A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus.” Como soa bonito estas palavras, principalmente para quem crê no evangelho da cruz. A mensagem que é loucura para os gregos e um empecilho para os judeus. Porém para o cristão verdadeiro é o poder de Deus, termino com uma citação de Paulo: “Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego”. (Romanos 1:16).

 

 

Pr. Josias Artur de Moraes*

 

 

Bíblia, versão revista e atualizada, SBB, São Paulo, 2003.

Bíblia TEB, tradução ecumênica, Editora Loyola, São Paulo, 1994.

Bíblia do Peregrino, edição de estudos, Editora Paulus, São Paulo, 1997.

Bíblia de Jerusalém, Editora Paulinas, São Paulo, 1980.

COTRIN/FERNANDES, Gilberto/Mirna, Fundamentos da Filosofia, Ed. Saraiva, são Paulo, 2010.

Também adaptado da Bíblia de Estudo Arqueológica e da internet.

 

*Pr. Josias Artur de Moraes é licenciado em Filosofia e Pedagogia, Pós-graduado em Sociologia e ensino da Sociologia e em Teologia Contemporânea.

 

 

 

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